Quando
desligou o chuveiro um frio terrível a invadiu. O ar gelado penetrou suas
narinas e a pele se arrepiou. Pés e mãos estavam duros, o ar saía em névoas e
todos os órgãos se comprimiram a fim de reter o mínimo de calor. Tomando-o por
normalidade, apanhou a toalha e passou em seu corpo como se fosse palha de aço;
subiu e desceu cortando as fibras, os tecidos, desfiando o cabelo, que pingava
ainda que o secasse, fazendo molhar o corpo e aumentando o frio.
As janelas estavam fechadas e se
transformaram em lousa para o giz-dedo fazer o que quisesse, mas eles estavam
mais ocupados correndo contra o tempo. Porta aberta e parecia que a Antártida
entrava pela sala, os móveis alvos, as paredes, os objetos, os cômodos. Do teto
do quarto pendiam estalactites que ainda pingavam. Cada gota um ângulo do que
se apresentava. Uma fumaça rasteira ocultava partes do chão e a geladeira era
inútil. Tudo estava preso às últimas formas, todas as vibrações congelaram, em
céu algum havia sinal de sol ou de calor.
Desejou não estar morta. Mas não sabia por quê.
Tentou se distrair com o computador ou com o
celular, mas os botões estavam duros, tentou ler, mas os livros não abriam, não
dava pra deitar, ou pra sentar, nem sair de casa, pois as portas estavam
completamente cerradas. Começando a ferver o pânico, foi até a cozinha pra
pegar um martelo e descobriu que não conseguia, então, num arroubo de
desespero, chutou o armário e ele inteiro caiu, em cacos. Todas as coisas que
estavam dentro dele se desfizeram como vidro.
Arriscou chutar a porta também, mas ela se
recusou a abrir. Com um sorriso no rosto pela descoberta não conseguiu quebrar
mais nada, pois algo se rarefizera em seu íntimo. A cabeça começou a funcionar
descomunalmente. Então parou e respirou, a garganta secando a cada segundo. Entendeu
o que devia fazer, só não como devia fazer.