quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

mesmo que

amo 
preciso
e me dou porque não me caibo
me doo
para outro e 
me corpo com olhos e cheiros
me deságuo em uma cama
pra me eliminar de mim mesmo e me conectar com o outro
e aí a existência se manifesta plenificada
mesmo que não seja
ela se torna plena e infinita em seus minutos
mesmo que passe
mesmo que finde
ali eu mergulhei em outras águas
e me aprofundo em mim mesmo 
que passe 
valeu o mergulho

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Por que não?

Não crio coisas de um coração encarquilhado
Crio casas e me despedaço
Fervo e balanço
Me sacudo em desespero
Sou ego e incrível

Sofro e me humilho
Não falo de mim
Falo da humanidade
Da real idade
Da busca pela identidade
Falo da natureza e da beleza
E do que não ta errado

Hoje eu corro do passado
E avante pro futuro
Vivo o presente
Sou bombardeado
Meu coração vive aos saltos
E eu labuto pra escutá-lo

Sou devoto passado da mente
Pois ela me desmente
Me faz de louco
De otário
E me deixa acabado
Tento ser espírito
Puro, limpo
E despenco do céu como uma besta
Chifruda, demoníaca
Vivo tudo
E vivo nada

Coragem não me falta
E medo também não

Crio porque preciso

Vivo... por quê não?!

Manifesto ao Manifesto

Meu mundo é a arte
Minha pira é o abstrato
no concreto
abstraio
pra viver
pra ferozmente
sobreviver
Levo a quem quiser
esperando companhia
me acompanho
e explodo ideias para que elas não me explodam
A necessidade é a ruína da construção
e a destruição
é
necessária
Musique-se
e eu te cantarei
porque sou livre pra ser incapaz
e incapaz de não ser livre
Quando a realidade dormir
eu vou acordar
para nunca mais dormir
para não deixar de acordar.
Manifesto.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ceifo

Chegou na frente do mar, estufou o peito, invadindo-se do salgado cheiro de liberdade que a praia inspirava, fechou os olhos e...
   TUM!
   Sua cabeça foi atingida por um coco, fruto da brincadeira das garotas que jogavam frescobol.
   - Desculpa, tio!
   Caminhou, tirou a bermuda com olhos de rabeira e seguiu em direção ao mar.
   Mas agora a distância entre seus pés e onde a água começava (ou terminava?) parecia infinita.
   Infinita
   Contou os inesmagáveis grãos de areia, os fugidios caranguejos, as incontáveis bactérias, calculou a velocidade da brisa que arrepiava as sobrancelhas e os cabelos de perto das orelhas e o mar... o mar... No caminho da água viu estrelas surgirem, viu a lua subir e os navios ancorarem e acenderem suas luzes como uma cidade grande.
   Levemente fora de si passou a passar largamente, em seguida a correr, a correr e a respirar pra fora. Ali estava o mar, a centímetros de distância... a centímetros...
   BEEEEM!
   Parou de supetão, guardando a parada cardíaca no bolso, quando o enorme trator de lixo cortou sua direção com suas luzes invasoras e barulhos uranianos.
   Meio aturdido, contornou o susto e seguiu.
   Então... pisou...
   A água sentiu que se esvaia. Se esvaía num redemoinho impraticável.
   Em poucos minutos o ralo sugou a água, sugou o sal, sugou o pacífico. Não deu nem tempo de raciocinar o que estava acontecendo, pois acontecia tão acontecidamente que não havia raciocínio pra raciocinar. 
   A ele restou escorregar a mão dramaticamente pelo azulejo branco e desligar o chuveiro, para satisfazer as necessidades do mundo externo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

constelação

Um dia a loucura tomou conta dele
mas supôs ser apenas cansaço
de modo que a ignorou e se deitou como depois de um dia longo
desses que se pensa que não vai acabar, mas na verdade sempre acaba
como os que terminam a contragosto quando está bom demais
e dormiu
ou pensou que dormiu
e sonhou
ou pensou que sonhou
e o que desabrochou foi a forma mais delicada de toda a brutalidade que refreava em si para que os outros não o tomassem por
louco
e então ele despertou
na madrugada
sedento de água
ou pensou que fosse de água
e a caminho da geladeira todo o universo se expulsou de si
como um contra-imã
pela sua boca 
saíram 
as estrelas
os planetas
os buracos negros, 
redemoinhos diversos de diversas cores
luas e satélites
e anéis
e asteróides 
e galáxias diversas que giravam em torno de si e da geladeira
constituindo a mais magnífica dança que ele já vira
rodopiando sentidos, sons, seres
numa música transcendental nunca ouvida antes por algum mortal
e ele
maravilhado
abriu a geladeira para apanhar a jarra de água
e matou a sua sede como quem afoga um peixe
e não havia nada mais maravilhoso naquele momento.