quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ceifo

Chegou na frente do mar, estufou o peito, invadindo-se do salgado cheiro de liberdade que a praia inspirava, fechou os olhos e...
   TUM!
   Sua cabeça foi atingida por um coco, fruto da brincadeira das garotas que jogavam frescobol.
   - Desculpa, tio!
   Caminhou, tirou a bermuda com olhos de rabeira e seguiu em direção ao mar.
   Mas agora a distância entre seus pés e onde a água começava (ou terminava?) parecia infinita.
   Infinita
   Contou os inesmagáveis grãos de areia, os fugidios caranguejos, as incontáveis bactérias, calculou a velocidade da brisa que arrepiava as sobrancelhas e os cabelos de perto das orelhas e o mar... o mar... No caminho da água viu estrelas surgirem, viu a lua subir e os navios ancorarem e acenderem suas luzes como uma cidade grande.
   Levemente fora de si passou a passar largamente, em seguida a correr, a correr e a respirar pra fora. Ali estava o mar, a centímetros de distância... a centímetros...
   BEEEEM!
   Parou de supetão, guardando a parada cardíaca no bolso, quando o enorme trator de lixo cortou sua direção com suas luzes invasoras e barulhos uranianos.
   Meio aturdido, contornou o susto e seguiu.
   Então... pisou...
   A água sentiu que se esvaia. Se esvaía num redemoinho impraticável.
   Em poucos minutos o ralo sugou a água, sugou o sal, sugou o pacífico. Não deu nem tempo de raciocinar o que estava acontecendo, pois acontecia tão acontecidamente que não havia raciocínio pra raciocinar. 
   A ele restou escorregar a mão dramaticamente pelo azulejo branco e desligar o chuveiro, para satisfazer as necessidades do mundo externo.

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