no princípio
acreditei que eu era uma serpente
e rastejava
achava que o chão era o meu lugar
todo o olhar voltado pra fora
me dizia isso
pelas escolhas que eu fazia
pelos pensamentos que eu tinha
pela minha natureza
em diferenciação
eu era uma serpente
me convenci disso
mas as coisas foram mudando
a serpente foi trocando de pele
e entrando no casulo...
entrando no casulo?
que serpente é essa que entra no casulo?
sou então uma borboleta?
havia algo errado
com essa ideia que faziam e que eu fazia de mim
alguma peça não estava encaixando
por mais que eu tentava
então tudo desmoronou
como um parto
quando saiu do casulo
a serpente
que não era serpente
nem borboleta
transfigurou violentamente sua natureza
e o que rasgou a pele velha
atravessou os céus num rajado flamejante
gigante e encantado
senhor de si e de seu poder
ainda não consigo nomear-me
mas sei que não rastejo
e tampouco sou fácil de categorizar
poucos me percebem
e os que o fazem também possuem uma natureza grandiosa
de complexa simplicidade
sou como o dragão chinês
senhor da sabedoria e da boa sorte
fértil, guerreiro
capaz de nadar nas profundezas
e de ascender a alturas eternas
um ser em contínua transformação
e em constante lapidação
e de uma coisa me assenhoro
não sou nada do que julgam que sou
e nunca saberão
pois pouco sabem eles mesmos do que são feitos.