Havia muito tempo que estava preso entre as paredes descascadas de seu apartamento de um quarto, um banheiro que dava choque e um armário que cheirava a naftalina mofada. Gotas de suor frio e de lágrimas quentes enchiam os recipientes que se espalhavam pela habitação, tudo o que pensava escorria, não era por outro motivo que mantinha garrafas, garrafões, baldes, taças, latas, tudo o quanto era preciso para manter as dignidades correspondentes de cada ideia liquefeita em seu devido lugar, na devida ordem . Ele estava sentado naquela mesma cadeira de assento redondo e espaldar quadrado, vidrando a rua por trás de umas folhas secas que não eram contempladas pelos momentos de chuva que saíam de sua mente, mas suas lâmpadas não se moviam, estavam apagadas, só o que se movia tinha o acontecimento de dentro pra fora, mas dentro do apartamento, como cada universo que existe em cada copa de árvore e que não temos capacidade de penetrar. Porém, raízes como as dele eram raras, perigosamente belas e, pra ele, enclausuradoras. Chovera apenas uma vez e, nesta ocasião, chegara a abrir a porta, mas aquele frio, aquele que nos impede de adentrar os carrinhos de uma montanha russa, o congelara; e aquele fenômeno, que, por ser fenômeno, descascara suas paredes e estragara seus móveis, nunca mais aconteceu.
Poderia carregar seus pensamentos em um caminhão pipa e irrigar ruas e vielas com suas ideias, sem desperdiçar nada, aliás, ninguém que conhecera poderia chamar aquilo de desperdício. Talvez seu ato fosse censurado, no mais, ignorado, mas de qualquer modo, não ia mais se afogar pelas visões daquele aguaceiro insuportável que atravessava a intransponível barreira do invisível.
Como os cabides balançavam, as portas do armário tremeram e se impeliram pra frente e, novamente, um grito de suplício, certamente embebido de naftalina, soou para onde ninguém, a não ser o seu emissor, ouviria:
- Socorro!
A criatura detida agitou-se à medida que as roupas daquele ser recomeçaram a ser molhadas por pensamentos e ideias que antes não existiam e que poderiam ocupar, se ele quisesse, alguns lugares para além de seu apartamento. Mas, por algum aspecto sombrio de sua natureza particular, numa consciência que não transcendia a compreensão do é querer e poder, mais um recipiente, e dessa vez um vaso, passou a ser enchido. O dono da voz berrava de dentro do armário, e ele cada vez mais absorvido, como água nova em esponja velha, cada vez mais imerso em um aquário cujo peixe não vinha de jeito nenhum à existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário