domingo, 14 de setembro de 2014

Rito de Morte

Uma chama apaga aqui
Uma vela acende lá
badaladas etéricas
notícia cometa
cobra eficiente
serpenteia nas bocas
nos telefones
nos e-mails
são as mensagens comunicado macabro
... morreu...
... faleceu...
...se foi...
...parou...  
É fim...
e o começo da grande dor
Choram lágrimas de sei lá o que
penam
sentem
e o morto:
inerte
Emerge na vida como nunca antes
tem o contexto
tem o texto
e a família comparece
gente que não se vê há milênios
e se encontra
e se ri
mas ri comedido
que não se ri em velório
qualquer manifestação de alegria pode parecer zombaria
Mas é impagável conhecer a família
tem o mágico-o palhaço-tem a tia católica-a crente-a macumbeira-o primo tatuado-o tio rico-tem quem você nunca viu-aquela que fala que trocou suas fraldas-tem quem não conversa com você-tem quem te elogia-tem os abraços-as palavras ternas-os namorados-e tem o morto
ah é, tem o morto!
e alguém sem noção que diz que ainda pode sentir seu espírito
Energia densa que aos poucos é elevada
e aí tem a cena dramática
tem quem desmaia
quem toca música
quem chora mais alto
quem chora baixo
e tem madrugada adentro
A canseira do defunto em ser velado
e tem o outro dia...

Voltam as visitas
vem as bolachinhas
e o café
os colegas de trabalho
o embriagado
o que reclama
e a obscuridade interna que se vai com o sol do novo dia
E aí... vem papel
vem mestre de cerimônia
vem mais gente
vem mais café
pizza
criança
jogo
calmante
e
blém!
A hora do enterro.
Então o medonho monstro da dor e do sofrimento infinito se levanta mais uma vez
pairando fim do mundo sobre as cabeças
e a comitiva
amparada por promessas de vida eterna
segue rumo ao cemitério
(não sem antes reclamar de algo ou alguém)
E o rito da morte da seu prosseguimento
Já não havia mais choro
e voltaram a chorar
Já não desmaiavam mais
e voltaram a desmaiar
Tudo volta como se não tivesse passado
a velhinha quase surda
faz perguntas desconcertantemente altas
mais vigorosa que o túmulo penetrado
E lá vai o caixão
a alegria
o bom humor
a energia ali é definida
enterra
junto com o corpo
o dia
o mês
e até o ano
Os sinos tocam
Badaladas
a multidão começa a não ter o que fazer
e a consolação arruma seu espaço
É hora de enlutar-se
se vestir preto
colocar óculos
e chorar
mas

para que mesmo?

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