segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Soberania

Quando viu o estado de podridão em que estavam as suas coisas, recuou. Piscou os olhos numa triste vontade de materializar a fantasia que traria o passado que seria plástico agora, mas nem assim a decomposição se esvaiu. Deu dois passos em direção a porta, mas ela também estava morta, o olho embranquecido. Andar de um lado pro outro não ajudaria, pois o chão já não agonizava. Não era possível continuar lá dentro com a quantidade de moscas varejeiras que sobrevoavam os móveis. A lâmpada queimada estava repleta de teias, enroscadas em insetos zumbis e uma enorme aranha preta, do tamanho do seu pé, espreitava entre a parede e o teto
   O primeiro impulso foi o de chorar, mas nem isso era possível. Com pavor, agarrou-se em si e permaneceu de pé, convencendo-se de que seria possível transformar a morte em vida, que iria dar um belo trato naquele horror e fazer a vida pulsar bela novamente, com o canto dos pássaros a encher o ambiente de luz, o cheiro de flores ser o perfume permanente dos dias gloriosos que estavam para raiar desse seu impulso, o renascimento corajosamente magistral que construía em seu interior alimentava suas esperanças...
   E então as paredes caíram, levantando uma nuvem negra que exalava morte. Dentro de si alguma coisa também morreu.

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