Eu fiz o que eu pude e mesmo assim eu a vi deixando a minha casa, a mala na mão direita, a mão que ela come, e um chapéu panamá na esquerda, sua mão mais fraca. Contemplei as lâmpadas que eu quebrara minutos antes e meus olhos foram daí para os olhos de minha mulher... ex mulher... ex esposa! Ela não gostava que a chamasse de minha mulher porque ela dizia não ser minha propriedade. Sempre apreciei isso, eu adorava seu modo de enxergar o mundo, apreciava a consciência que tinha sobre as coisas, amava quando brigava comigo por divergências políticas. Por que mesmo essa mulher estava indo embora da minha casa? Eu não sabia, eu não fazia ideia. Eu também não tinha forças para tentar mantê-la, talvez por isso abaixei a cabeça, ou melhor, ela caiu do meu pescoço e senti minhas mãos desmaiarem também. Fiquei ali parado, no meio da sala, despencado como uma marionete, sem escutar nem o barulho dos carros na rua, e olha que comentávamos sobre isso todos os dias, isso e as motos de quinta-feira, que rasgavam as ruas às onze com roncos ensurdecedores. Quando me dei conta, uma lágrima saltou de dentro de mim direto para o caco de lâmpada aos meus pés, partindo-a em duas. Só então notei que ela havia voltado, pela periferia dos olhos, os dela fixos em mim. Não me movi. Ela jogou a mala e o chapéu no sofá, atravessou a sala e falou como quem comenta um dia chuvoso:
- É bom saber que você tem coração.
E sumiu escadaria acima.
Então levantei a cabeça como um gato assustado, tão repentinamente que ouvi uma vértebra estalar.
Em seguida, ela fechou a porta do banheiro e regou a minha vida.
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