terça-feira, 3 de julho de 2012

Noite I

Ele estava parado havia horas, contemplando o vazio taciturno de sensações do que ainda não chegara. Aquilo que era ele, naquele momento, estava a alguns centímetros de distância, a contemplá-lo.
A pizza mal comida e a cerveja abandonada jaziam sobre a mesa suja, a taça de vinho, usada pro não desuso, ainda estava cheia e a cápsula... a cápsula deitada inofensivamente.
- Sou eu quem faço mal a mim!
Sussurrou.
Passou a ler sobre dependentes e efeitos e isso não melhorou seu doente estado de espírito. Fuga? Talvez não. Era o dramalhão em que transformara sua vida que o instigava a dar mais um tiro nele mesmo.
Levantou-se de repente, a cápsula colhida pela mão como língua de sapo. Olhou pra ela, sentiu o cheiro na tampa e se invadiu de antigas sensações, sabia que encararia o resto do dia na pilha se resolvesse seu misto de medo e desejo.
Olhou pela janela, depois olhou pra cápsula, puxou a água que escorria de sua rinite e caminhou pro banheiro, deixando os raios solares sozinhos na sala. Meio desajeitado, separou uma fileira depois de arrebanhar pequenas quantidades de volta pro tubo. Encarou o caminho branco e por um milésimo de tempo pensou em jogar tudo na privada, onde estava sentado, no entanto, enrolou uma nota velha de um real e aspirou...
Processou um pouco o que acabara de fazer, levantou-se da tampa quebrada do vaso, limpando a calça pontilhada com cheiro de remédio e deu de cara consigo mesmo no espelho. Foi acometido de vertigem ao ver seu nariz com resquícios de pó branco. Limpou o mais rápido que pôde, sem assoar o nariz e correu pra sala, sem fome, sem sede, sem vida.
Aquele não seria seu tiro derradeiro, mas ainda assim continuou sentado, olhando pro nada, sabendo que se esconderia do dia para mais uma longa noite de sensações.

____________________________________________________________________________________________

NOTA: Talvez esse seja o primeiro texto que eu não goste, escrito há pouco mais de um ano em primeira pessoa. Não consegui deixá-lo melhor que isso, no entanto decidi publicá-lo, mesmo sabendo que ele me causa vertigem e desassossego no coração.

2 comentários:

  1. Eu gosto. Gosto da sua narrativa linear e fluida!
    É imagético e sensacional (muitas sensações).

    =) Maravilha.

    ResponderExcluir