-
Bom dia, senhor, o que deseja?
Ele parou e ficou olhando. A bela moça à sua
frente lhe encarava com forçado sorriso bondoso. Imóvel, uma sucessão de coisas
passava invisivelmente pela sua cabeça, movimentando seus líquidos, a dança dos
órgãos, o pulsar das artérias.
-
Senhor?
O sorriso da moça ia murchando, a fila
começava a se alongar, as pessoas a olhar, os outros funcionários passavam
apressados e confusos ante a cena que acontecia no balcão.
-
Senhor, vou atender o próximo.
Ameaçou. Ele não deu sinais de que vivia.
Poder-se-ia dizer que estava morto, não fosse sua firmeza vertical e o brilho
nos olhos que, apesar de imóveis, contavam alguma coisa, alguma coisa
inapreensível aos homens.
- O
senhor pode, por gentileza, se retirar da fila?
Era outra mulher, talvez a gerente. Ele não
esboçou reação. Olho para alguma outra parte de seu corpo e tampouco noto
movimento. A gerente passa a mão diante de seus olhos e eles não se movem.
-
Próximo.
Chama calmamente a primeira. Contorno o
corpo inerte e faço o meu pedido. Sento-me à mesa e ainda observo aquele rapaz,
tentando encontrar em minha mente alguma causa, doença, filosofia, ou qualquer
coisa que possa justificar aquela reação. Chego a me assustar com o garçom que
deposita meu pedido sobre a mesa.
Como com a mente fora do corpo.
A fila, a lanchonete, a rua, o bairro, a
cidade, o país, o continente, o mundo todo ia acontecendo como se aquele homem
não fosse material. Já estou terminando meu sanduíche quando um grupo de
policiais chamado entra na lanchonete e, após umas averiguações e perguntas sem
respostas, leva aquela estátua como se fossem decoradores no fim da festa. Ouço
vozes exteriores dizendo:
-
Deve ser algum teatro.
-
Deve ser um louco que fugiu.
-
Deve ser alguém querendo aparecer.
A única coisa que ele devia era respostas.
Saio meio perturbado da lanchonete em direção ao estacionamento e dou de cara
com a lua. Quero tanto sanar minha curiosidade. Tinha desejado, e agora
desesperadamente, que minha vinda à lanchonete tivesse sido um passeio
recreativo e não um disparador de pensamentos sediciosos e sensações desconhecidas.
Meu coração se aperta contra o estômago e eu sinto que minhas pálpebras se fecharão
a qualquer minuto.
- Bom
dia, senhor, o que deseja?