terça-feira, 30 de abril de 2013

Complexo de Bartleby OU Filhos da Lua


- Bom dia, senhor, o que deseja?
     Ele parou e ficou olhando. A bela moça à sua frente lhe encarava com forçado sorriso bondoso. Imóvel, uma sucessão de coisas passava invisivelmente pela sua cabeça, movimentando seus líquidos, a dança dos órgãos, o pulsar das artérias.
- Senhor?
     O sorriso da moça ia murchando, a fila começava a se alongar, as pessoas a olhar, os outros funcionários passavam apressados e confusos ante a cena que acontecia no balcão.
- Senhor, vou atender o próximo.
     Ameaçou. Ele não deu sinais de que vivia. Poder-se-ia dizer que estava morto, não fosse sua firmeza vertical e o brilho nos olhos que, apesar de imóveis, contavam alguma coisa, alguma coisa inapreensível aos homens.
- O senhor pode, por gentileza, se retirar da fila?
     Era outra mulher, talvez a gerente. Ele não esboçou reação. Olho para alguma outra parte de seu corpo e tampouco noto movimento. A gerente passa a mão diante de seus olhos e eles não se movem.
- Próximo.
     Chama calmamente a primeira. Contorno o corpo inerte e faço o meu pedido. Sento-me à mesa e ainda observo aquele rapaz, tentando encontrar em minha mente alguma causa, doença, filosofia, ou qualquer coisa que possa justificar aquela reação. Chego a me assustar com o garçom que deposita meu pedido sobre a mesa.
     Como com a mente fora do corpo.
     A fila, a lanchonete, a rua, o bairro, a cidade, o país, o continente, o mundo todo ia acontecendo como se aquele homem não fosse material. Já estou terminando meu sanduíche quando um grupo de policiais chamado entra na lanchonete e, após umas averiguações e perguntas sem respostas, leva aquela estátua como se fossem decoradores no fim da festa. Ouço vozes exteriores dizendo:
- Deve ser algum teatro.
- Deve ser um louco que fugiu.
- Deve ser alguém querendo aparecer.
     A única coisa que ele devia era respostas. Saio meio perturbado da lanchonete em direção ao estacionamento e dou de cara com a lua. Quero tanto sanar minha curiosidade. Tinha desejado, e agora desesperadamente, que minha vinda à lanchonete tivesse sido um passeio recreativo e não um disparador de pensamentos sediciosos e sensações desconhecidas. Meu coração se aperta contra o estômago e eu sinto que minhas pálpebras se fecharão a qualquer minuto.
- Bom dia, senhor, o que deseja?

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