quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Ar

Às duas da manhã ele estacou a tentativa de entender alguma coisa e abriu a geladeira para esfriar os pensamentos e aquecer o estômago. Voaram alguns morcegos com o susto e umas teias de aranha emaranhavam as prateleiras às jarras secas de suco e de água. Encucado, desceu as escadas rumo à garagem e pegou o carro, a gasolina, aparentemente, evaporara. Porque não tinha nada melhor pra fazer acendeu e apagou os faroletes, repetiu isso umas quatro ou cinco vezes antes de bater a mão no volante e se dirigir para a varanda pra fumar um cigarro. Não havia fluido em seu isqueiro, nem no maçarico, nem no botijão de gás. Os peixes, reparou, jaziam no fundo do aquário, todas as torneiras da casa resmungavam como velhos empedernidos em dia de fila, as flores desenfeitavam, secas e descabidas e a descarga inútil carregou ainda mais seu sistema nervoso. O chuveiro só manifestava aquela ânsia de botão no verão, mas não concretizava o que nascera pra concretizar.
     Emputecido, agarrou a lua com os olhos pelas grades carcomidas do banheiro e expulsou a maior quantidade de oxigênio que conseguiu dos pulmões. Por que isso estava acontecendo? Andou pela sala, pela cozinha, subiu e desceu escada, deitou-se no chão, rolou no piso, pulou na parede, sacudiu o corpo e tentou ficar tranquilo. Por fim, exausto, largou os ossos no sofá e encarou o teto.
     Cogitou ligar a tevê e ver um filme, mas a alcalina das pilhas virara fumaça tóxica, não dava pra engolir as frutas cristalizadas e o tanque, que em outrora muito lhe servira de descarrego, era agora um grande aeroporto de pernilongo. Não adiantava correr e gritar, pois não teria nada para hidratar. O relógio zunia em seu ouvido vinte vezes mais alto  devia ser o efeito da secura. 
     A mente disparava como um foguete até Plutão, tentando apreender alguma coisa. As veias da mão tremiam tanto que o coração fazia força para bombear como moto-contínuo o único líquido que ainda existia, mas, conforme as horas iam passando, até ele, com a ebulição, ia evaporando. Por que, meu Deus? Por que? Como? Quando? O que eu tenho que fazer?
     Todo o seu ser era desespero e agonia, de nada adiantava vagar como um zumbi seco ou escutar secas músicas que serviriam de pano de fundo pras suas elucubrações. Pensamento atrás de pensamento seco ia sendo concatenado... até que não houve alternativa. 
     Debatendo-se em sua casa, largou-se no chão, bateu a cabeça na parede que dividia a sala e o quarto e, por não ter mais o que fazer, caiu de chorar, incontrolavelmente.  
     Às três da manhã as suas costas finalmente destravaram.

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