domingo, 18 de dezembro de 2016

tempo de águas

Reflexo
observar as águas
para aprender a fluir
para aprender sobre a força da sutileza
Pois a água conquista tudo
à sua maneira

Jorra
quebra o concreto
manifesta a força da vida
nessa sociedade de espada
que não ta entendendo nada
ta brigado com a Deusa

Mas ela ta viva
Sempre estará
e nos ensina a nos conectar
pois a anima é quem pode nos salvar

Então
quando a vida perder o tesão
quando faltar sentido pra remar
olhe para as águas
e lá você vai encontrar
vai se quebrar
se transformar

naquilo que se é

Tempo de recomeçar
Resignificar
Ressurgir

hierofando

Mesmo que fique difícil
ainda que eu chore o quanto nunca

Eu sinto vontade de comemorar
abrir qualquer bebida
e brindar

Dessa vez a troca de pele tivera nova intensidade
com o olhar mais apurado
vi
um rasgado e arrastado
eu
e outro despontando como a manhã

É que o sofrimento
tem uma facilidade
uma praticidade

que ver o novo assim
assusta

E é por esse susto que eu brindo
pela oportunidade de renascer

e amar


domingo, 11 de dezembro de 2016

pra sair

não sei ainda, ok?
obrigado
até logo,
dor

estou aprendendo a lidar
com esse sentimento
que não sei nomear
Dizer amor é muito pouco
ou muito demais
só sei que ele me toma
e me modifica todo
bagunça meu cabelo
me desnuda
me leva pras profundezas
e me deixa estarrecido
e eu desconfio

oxi!
que negócio é esse?
eu sei que eu pedi
mas...
Peraí, eu pedi?

Eu pedi!

Você então é o meu desejo
(e dos profundos)
Você chegou, não é mesmo?
Já ta aqui me fazendo feliz
e me fazendo...

em outros tempos eu diria, convencido,
a palavra "sofrer", mas hoje
conscientemente,
aplico, do início:

Já ta aqui me fazendo feliz
e me ensinando que é preciso
aprender a sofrer

Eu preciso poetizar esse romance
e dizer que nos encontramos
quando Júpiter, Vênus e Plutão se misturaram
em nosso mapa astral

o que é uma realidade

mas escrevo na esperança de...

sei lá porquê escrevo
já nem lembro mais
tomei você pelos pensamentos
e me distraí

Estou aprendendo a lidar com você
e, principalmente,
com esse novo eu
pois nossos furacões se encontraram
e causaram aquele revoo

E até minha dor levantou voo
rasgou minha pele e bateu asas
e me deixou com um eu tão novo
que ainda preciso me acostumar a me amar
te amando

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

sempre

Meu coração está em festa
não porque está feliz
mas porque vive
porque canta e dói
às vezes dói de passado
às vezes se aperta de futuro
canta
porque está apaixonado
se retrai porque tem medos
Medos que movimentam
tão intensamente o rio das minhas veias
que sou obrigado a me transformar
a encarar
a superar
e a compreender

Saber sofrer

Meu coração está em festa
porque está vivo
e mais
porque estou vivo
festejo o coração que me festeja
pela consciência que a vida é um bombear constante
é nascer e morrer
subir e descer
sempre em movimento
sempre em frente
sempre

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

olho pro passado

Olho pro passado
sinto dor
muita dor
Dor lancinante
Ferida exposta
Emergindo do mar
aquela dor profunda
dor dor dor
Dor curativa
ferida que me estraçalha
me enraivece
me embrutece
me derruba
dor

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Vamos andar...

Vamos andar...
Hoje eu quero expor você na rua
quero pegar na sua mão
e mostrar pra todo mundo
o homem que me apareceu

Beijar teus lábios diante de um letreiro luminoso
Te agarrar no meio da vitrine
Apertar tua bunda entre o um e o dois
do relógio digital de referência

De preferência
chupar o teu pescoço e escutar o teu gemido
ecoar dentro de um túnel

Quero sorrir pra você
e te ver enlouquecer
quando a câmera pousar em nossos rostos
e a repórter perguntar
por quê gostamos tanto um do outro

Quero andar abraçado com você
com o homem que você é
com todas as coisas que sei
e as que eu não sei
com as que eu gosto
e as que eu não descobri ainda que não gosto

Quero me libertar na nossa intimidade
te aprisionar em meus braços
salivar de saudade
do ritmo do teu coração quando encontra o meu

Hoje eu quero você
E sei também que você me quer

Vamos andar...

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

efeméride de 2013

Faltam palavras para dizer as tantas coisas que aqui estão
perambulando em meu ser
feito alma penada
no caminho perdido mas rumado
consciente da caminhada
a caminhada perdida
destinada a se encontrar
Para que não imploda
e para que não exploda
ninguém
falo sobre seu silêncio
e silencio o meu falar...

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

o infeliz do metrô

Todo dia, no mesmo horário, faço o mesmo caminho. Saio às 7h, passo na padaria, tomo meu pingado e pão na chapa, pego uma água pra viagem, cumprimento o cara do caixa, pago com a nota de dez e dou onze passos até a entrada do metrô. São quatro estações até o meu trabalho. Desço na estação, cheia como de costume, contorno as filas, passo os guichês, atravesso o saguão e é na escada que noto alguma coisa fora do lugar.
   No meio do fluxo do sobe e desce, antes da escada rolante, há um homem ajoelhado, com as mãos estendidas, como se em sua testa houvesse uma placa escrito PEDINTE. Vestia uma camiseta verde suja e rasgada e os pés secos saíam por baixo da barra furada de uma calça que era quase um pano de chão. O fôlego fugiu de mim assim que botei os olhos sobre ele e o calor incômodo da indignação subiu pelo meu peito. Não me atrevi a olhá-lo duas vezes. Subi as escadas com um comichão nas minhas orelhas e marchei até o meu escritório. Fiquei com aquele homem o dia inteiro na cabeça.
   Quando entrei na minha sala, me dei conta de que não correspondi ao bom dia da Marli, secretária. Fechei a porta, os olhos, abri a boca, torci meu pescoço e tentei me concentrar nas minhas coisas. Às 10h tive uma reunião e, enquanto o Márcio chato falava, pensei de novo naquele maltrapilho. Só de pensar em lhe dar dinheiro fiquei escandalizado. Que é que aquele sujeito estava pensando? 
   Às 11:45 saí da reunião e ao meio dia já estava pronto para almoçar e o fiz, com aquele velho na mente. Interagi o que pude com meus colegas e tive que tomar um antiácido pra comida descer.
   Às 14h eu avistei da janela um mendigo do outro lado da rua, e fui parar novamente no metrô, com aquele infeliz ajoelhado ao pé na escada. Não sabia por quê ele me incomodava tanto. Visualizei a mim mesmo erguendo aquele miserável pelo que restara de sua gola suja e prensando suas costas ossudas contra a parede, depois me vi estendendo-lhe a mão, me vi dando uma bofetada em seu rosto, me vi até beijando seus lábios. Me deparei, então, com a hora de ir embora e tentei compensar as ignoradas de mais cedo com sorrisos, não foram muito verdadeiros, mas surtiram o efeito esperado, o povo sorriu e eu parti.
   Como uma história já escrita, reencontrei o velho no metrô. 
   Estava ainda naquela posição humilhante. Será que saíra dela em algum momento? Desci devagar dessa vez e reparei que ninguém lhe dava moedas, na verdade as pessoas o evitavam. Quando cheguei mais perto, meu primeiro impulso foi o de gritar "levante-se!" com toda ferocidade que podia reunir, mas não o fiz. Passei por ele e, para a minha surpresa, nossos olhos se encontraram. Por milésimos, esquadrinhei seus grandes olhos verde-musgos, pareciam dois faróis apagados, afastei os meus depressa e segui catraca adentro, o coração aos pulos.
   Não acordei pra trabalhar na manhã seguinte, tampouco me deitara pra dormir, sequer chegara em casa. Era que, daquele momento em diante, alguma coisa dentro de mim passou a esmolar também, e eu não conseguia me concentrar em outra coisa, só em matar a minha fome.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

mercúrio

eu
e meus eus
que viajam em mim

fazem as conexões neurais
me levam
se encontram

e a solitude não é solidão

é momento é
o meu  melhor rebento
é quando estou só
que estou comigo
só eu 
e meus eus
que viajam em mim

encontram caminhos
encontram destinos
meu punho soca o ar BREQUE

- eu
e meus eus
que viajam então

e sabem de tudo
navegam futuros
desvendam passados BREQUE

só eu
e meus eus
viajando
viajando em mim

seguros do mundo
seguros de tudo
incapazes de se bastarem em si

eu
e meus eus
eu meus eus
viajamos em mim

pacíficos
restritos
resolutos então

só eu meus eus
eu meus eus
viajando em mim
eu e meus eus
eu e meus eus
viajando então
só eu e meus eus

quarta-feira, 20 de julho de 2016

dor

às vezes eu doo demais
contorço minha alma
dou a volta por baixo
e miro o fundo da escuridão

e lá,
bem lá
eu encontro a luz

cada luz maior que a outra...

quanto mais fundo eu procuro
mais eu quero descer
e então tem que parar
pra poder sobreviver.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Pentagrama

É dia de Netuno retrógrado
e a cidade está sem água
o tempo
seco
parede árida
sol amarelo
o mago se droga
e se vê no espelho
das palavras de agora
a caverna de sol em que se enfiara.
Destrincheirei minha poesia
de profundo arcabouço
próximo ao centro,
perto dos monstros
sonsos eles saíram
e dançam comigo
na mata do ritual
com o velho amigo.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

instante

No fluxo de um beijo
o fluxo da vida

sem saber onde vai dar
quem vai interromper
como e por que começou

na infinitude de possibilidades
minha boca encontrou a sua

no fluxo da vida
no fluxo da saliva
a gente se misturou

por alguns segundos
me perdi de mim
você se perdeu também

e fomos aquele instante
quando acabou
passou

domingo, 19 de junho de 2016

endurecer

endurecer
quando os tempos são de mergulhos
endurecer
para que o outro amadureça
perca os apoios
e encontre sua fortaleza
você pode ajudar na polidez da pedra bruta
ou na exposição de seu verdadeiro rosto

segunda-feira, 6 de junho de 2016

que chova!

Palavras não alcançam a explosão
vida interior,
como novidade,
rasteja sob a pele

e abre

e da vazão
necessário
imprescindível
imutável
ciclo da vida
e a gente
nasceu
pra ser nós mesmos


segunda-feira, 30 de maio de 2016

em andamento

Tilapiando informações
faço jorrar canções
e expurgar
como quem espreme uma espinha gigante
todo temer que se alojou na coluna
os fora dilma dos pulmões
e os vai trabalhar, vagabundo que entopiam veias.
Que poeta sereno
num país perigoso
onde quem tenta
morre
quem protesta
apanha
quem rouba
faz?

um poeta doente
de poesia doente
que versa sobre a doença

o poeta esperançoso
que fala dos ciclos
do corpo
primeiro
do corpo
timoneiro
do mundo
do corpo
do poeta mundo

se regenera das chagas
que adquiriu

Eu tava la e vi
sair de dentro
o sangue estancado
em anos de repressão
vi sair na agulha
os fantasmas do medo
da insegurança
da liberdade estagnada
e agora é o corpo
um campo
onde a saúde e a doença
convulsionam

É o meu corpo
estranho pra mim
nasci aqui e quero fugir
me rebelo
vejo-o em domínios trevosos
cancerígenos
agentes
(políticos?)
sugam o que foi duramente conquistado
por anos

esse é o lugar onde cresci
e querem tirar de mim
de nós
esse corpo
esse mundo
que
como ninguém
precisa de tratamento

assim,
quem sabe,
eu possa me sentir país
me sentir corpo
me sentir alma
me sentir espírito
me sentir eu
me sentir você...

domingo, 29 de maio de 2016

fim de outono

vivemos tempos difíceis
algo acontece
levantou-se o véu
e
em que parte do caminho me perdi?
que lugar é este
onde estou?
quem me colocou aqui?
algo terrível está acontecendo
e é melhor não se afastar
da luz que brilha no peito
que é a luz do universo
mas que agora é tão pequenina
que é normal desanimar
entra o inverno neste hemisfério
e é tempo de se recolher

quarta-feira, 25 de maio de 2016

O que eu busco ainda não inventaram palavra pra categorizar
nem sensação concreto-abstrata
pra enquadrar.

Que querem?

Toda poesia é necessária
todo artista
toda arte
toda forma de amor
de amar
toda tentativa de desembrutecer o ser humano
toda forma de visão libertadora
libertária
caminhos de renovação
Toda experiência transcendental

Que querem de nós?
que viremos máquinas
que fiquemos ignorantes
que sigamos a direção que aponta a caneta do engravatado
?
Querem a nossa submissão?
Pois,
saibam,
não é passivo o novo mundo
a consciência cresce
porque a liberdade interior é maior
e se um governo
que deveria ser PARA o povo
não acompanha essa evoluçã
então
ele
deve
cair,

terça-feira, 17 de maio de 2016

entramelando as dores do mundo

vozes secas
vociferando
isentas
dessa dor
relampejam
sonoras
vendendo canções
sabendo de si e mais nada

levando ventilação
aos dutos do cérebro
versando essas dores
anestesiando outras

de dor em dor a gente se ajuda
a sua dor lapidada
alivia a minha
e a inspira a inspirar

com nossas dores
portanto,
a gente sara o mundo

é só entramelar
compartilhar
e doer.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

para

A lucidez atravessa a gente como um raio
lucidez mesmo
onde o presente não faz sentido
nem incomoda

Onde o registro do passado
não importa
e o futuro, bem importante
nada

É um momento de pleno poder
conhecimento de energias
sabedoria pra executar
como um canal
o que o universo mandar

é fluidez no caminhar
é raio de sol
é um instante de vida
vida mesmo
que nos atravessa

como um raio

necessário
no campo estagnado
de um presente arbitrário
complexado
enfermo
necessário

lucidez, seu moço
lucidez...

cérebro-vida

empírico empório de ideias
ilusões
cobaias da indústria
do sistema que te pariu
quem não vê
retornou aos braços da mãe merda
e conformado 
se dopa
de dinheiro
com discurso de trabalho
whyskas sachê pro gato
jornal nacional pro vazio 
craniano
é quase 
edipiano 
o que faz com o próprio corpo
fode, droga
geme na agulha
se arrepende
chora, compreende
elixir é promessa de cura
se cega pra não ver
a tragédia acontecer
disfarçadas de milagres que vão sugando
sugando
as entidades
as energias
o disco solar 
que tava aí quando cê nasceu
agora é vinil riscado
virando na chapa
pra sentir-se um pouco...
garoto, 
cê é louco!

quarta-feira, 11 de maio de 2016

plagas distantes

plagas embasibadoras
descaftenize o cosmos
para que o caos prevaleça
antes da nova civilização
que embotará as trevas
e as farão nossos olhos
tamanha claridade

olhos

O sol nasceu pálido
pintando de sombrio o dia que despontava
com o céu enfeitado de gélidas nuvens
realçadoras dos prédios da cidade
com luzinhas acesas desde a madrugada.

A manhã escorreu sobre o solo
encheu de esperança um coração bem aquecido
e inspirou os de alma expessa e profunda.

Foi bom que nasceu
Mas há olhos que só querem dormir
vago
pois
entre
os dois
um não desconhece a dura realidade que o sonho não pode mais cobrir
e o outro vê que as nuvens foram soberanas
pelo menos onde o sol
dessa vez
não pôde ser poesia.

terça-feira, 19 de abril de 2016

2016

depois de dezessete de abril
a vontade é de se drogar
se dopar
se embriagar até que alguém nos esqueça
fugir daqui
desse país
desse planeta
contudo,
não estamos em 64
de jeito nenhum
então é bom mantermos os nossos corpos saudáveis
a mente lúcida
e o coração aquecido
para lutar como nunca lutamos antes
contra os primatas que querem deter a evolução do país

não vamos enlouquecer, 
nem nos matar, 
nem desistir.
Pelo contrário: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda


[Lucas Nuti e Filipe Ramos]

quinta-feira, 14 de abril de 2016

SOFREGUIDÃO SILENCIOSA

Indiscreta solidão secreta
que finge em sair
quando dentro é de verdade

Não é solidão amargurada
triste
desmiolada

É solidão de vontade
de necessidade
de farto

Do mundo
do fundo
das profundidades

e, mais, das futilidades

Hora de morrer
pra fora
pra fora reverberar

o dentro

Solidão secreta e indiscreta
vira trago de droga
de álcool

Vaza em berros internos
e socos no próprio estômago
pronto

Destroi a si
para não desintegrar o outro
e perder as perdas

Sofreguidão silenciosa
parte esse mundo em cacos
só pra juntar os pedaços
e se modificar

Entra na caverna
mira as palavras
encontra os sentidos

e sai

a indiscreta solidão secreta
leva
e me convida a navegar

São águas de mares nossos
que vazam pelos olhos
quando a fervura ainda não abaixou

E deixam salgadas as palavras
Saídas de uma boca sem voz
por si mesma

Aguada solidão
deixa ser deixa estar
que a terra vai germinar
tanta água que deixou

Vai levar e lavar
é o que a fé nos deixa
é o lugar a se apoiar


quarta-feira, 13 de abril de 2016

então...

então
você trabalhou a vida toda
com o peso que as condições permitiram
para sentar-se à beira da cadeira
de um salão de bifê barulhento
com a mesa posta
canto
pra comer comida cara
e ter os tímpanos violentados
na festa de aniversário da sua filha
ou neta
ou sobrinha
ou qualquer uma
importante o suficiente pra obrigar sua presença.
Que importa quem arruma a mesa
quem limpa os copos
quem serve o drink?
O que importa é que a festa corra bem
sem interferência
pra alguém se sentir feliz
no show da ilusão que a vida se tornou
desde que escolheste
olhar somente
pra si.

hey

Hey, debutante
você queria isso mesmo?

um rito vazio
que sobrou aparência
inveja sorrateira
ostentação
pra ser vista por alguém
já que seus pais
nunca te olharam?

você queria isso mesmo?

Hey, debutante
você realmente queria isso?

mal pode se mover
mal pode andar
não pode borrar
não pode chorar

é obrigada a sorrir
pra todo mundo aplaudir
(como manda a etiqueta)
e amanhã
amanhã esquecer

voê queria isso mesmo?

Hey, debutante
você queria isso mesmo?

ser o centro das atenções
da carência emocional
da culpa paternal
do abandono maternal
do vampirismo e escapismo

você não tem culpa, debutante
ninguém tem
mas você não queria isso
com certeza você não queria isso
mas agora é tarde
e a ti só resta
dançar
brilhar
terminar a noite
e anos depois
quando a festa acabar, debutante
você chorar
e,
quiçá,
conscientizar-se que o mar
ah, o mar, debutante
é tão
tão além do que imaginamos
tão além, debutante

mas eu sei que você não queria isso

um dia
debutante
isso vai acabar.

domingo, 10 de abril de 2016

arcaico

arcaica
vida
social
sede e…?
algumas rachaduras na casca
água que de dentro pra fora
rasga
porque não tem sentido represar água de cachoeira vulcânica
destruirá
devastará
limpará
e o que sobrar
sobrou

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Interpretação

Que tem no tempo de hoje?
Que acontece nesse tempo
meiotudo meionada
Com cara de sem saída
Que oprime pra não oprimir
Porque ainda é necessário?

Que tempos confusos são esses?
Com perspectiva de reencarnação

e somente

Porque

no presente

está  deteriorado!

Esses tempos de passagem
Rompendo barragens
Urgindo de fora
Pra dentro
De dentro
pra fora
uroboros
e sonoros
gritos nas ruas
de todos os lados
e música
e gente
das loucuras,
e que me perdoem os loucos,
às festanças bacantes
liberdade vermelha,
É
a histórica épica
de um período bizarro
publicado e desprezado
pros próximos livros da escola

do qual fiz parte
ou penso que fiz

Esse tempo,
contudo,
trouxe à luz que
é possível brotar
esperança e amor
mas de dentro pra fora

Portanto,
empoderou,
curou,
sarou
e levou.

Se foi

Fechou.

terça-feira, 29 de março de 2016

(re) brotar

Intensificando
a serviço da saciedade
sede
pois
seu sexo servido sobre si
seguindo caminhos seguros
sua sedução
sóbria
sem prisões
cintila na noite
na escuridão alquímica
às escondidas
às avessas
como um adolescente
de novo
na pura descoberta
de si da sede
que movimenta o sangue
sinaliza passagens
dessedimenta o passado...
Sossega a alma, menino
estás vivo
pulsante
a seca foi-se embora.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Ciclo

Multidão. Um líder se destaca.
- É para lá que vamos! (aponta o céu)
Imediatamente a mobilização.
- Poderia, por gentileza, colocar este tijolo?
- Sim.
- Obrigado.
- Muito grato por estar ao meu lado.
- Eu te ajudo.
- Vamos juntos.
- Meu respeito e admiração por você e pela sua determinação.
- Você me inspira.
- Somos todos iguais… subindo!

É um
É dois
É três
Cantando pra subir
Subi, subi, subi

Eu vejo. De fora tento entrar. Até consigo. Mas meu fora é maior que dentro, apesar da teimosia.

O líder que se destaca: Isso sim é liderança compartilhada. Vamos pra cima. Aqui não da pra ficar, meus amigos.

Asas na construção.

- Disseram que o líder se corrompeu.
- Eu vi o líder se corromper.
- Parece que ele enlouqueceu.
- Por que?
- Tem duas caras naquele ser.
- Como pode agir assim?

O líder que se destaca:
- Vocês estão loucos?

- Eu saio.
- Eu saio.
- Eu saio.
- Eu deixo.
- Eu largo
- Não posso.

O líder que se destaca:
- Por que agem assim? Vocês são ingratos. Me sinto traída.

Eu não vi nada. Eu só vejo.

- Vão embora então (difamação, difamação, difamação)! EU comecei, EU termino. Caiam fora quem tem dúvida, quem permanecer começa comigo um novo tempo.

O membro que se destacou desde sempre.
- Quem são vocês pra acusarem uma pessoa que fez tudo isso?

O líder que se destaca:
- Ele sim é leal, ele me defendeu!

Outro membro que se destacou por esforço próprio:
- Estamos separando o joio do trigo.

O líder que se destaca:
- Vocês acham pouco o que está acontecendo? Vocês acham pouco o que tem? Querem mais? Ou querem menos? Olha o que fizemos! Não querem tudo isso? Vocês merecem menos!

Eu vi a debandada. Não sobrou quase nada.

- E você?

E eu? Não decidi. 
Me desfolho e vejo a construção explodir como cartas ao vento, sendo levadas para longe, o que era tijolo virou areia, e o que era construção desaba, incapaz de alcançar a natureza soberana que se propunha e proclamava.
Eu saio.
Quem lá ficou diz que agora é que melhorou.
Eu saio e observo que o projeto de ir reto para o alto, agora vai torto pra lugar nenhum.

sábado, 12 de março de 2016

atualidade

fazendo do facebook a nossa droga
pra dispersar fantasmas
que à frente flutuam, 
os famosos fantasmas
que estreitam em nossa consciência
e se diluem no cotidiano
naquela hora
onde podemos encontrar sua origem,
nos afastamos para a caverna
pra assistir a vida pela parede fácil
pra dopar a dor com luz azul-ventre
e confortar nossa existência
com a chama da importância
como as velas falsas que acendem nos modernos santuários
ao depositar uma moeda.

lutamos guerras iludidas pelo Tempo
rastejamos em busca de elixires
disfarçamos o desespero com dignidade
forçamos as sinapses a se transformarem
e acreditamos
acreditamos fortemente
porque 
não há outro caminho.

ou abnega
ou se afoga na cama.

domingo, 6 de março de 2016

a pele adequada

meia noite
festa rica num buffet de são paulo:
a debutante que viajou o mundo
os pais com olhos estalados
a esquisita e ordinária dona da propriedade
e o dono - velho, ereto e com o olhar de quem dirige o mundo
por fim, os amigos
gente fora de si que dança funk pela metade e curte sertanejo universitário
A festa estava pronta!
ah, também tinha eu
que ia trabalhar
tinha os seguranças que iam guardar
(agindo como leais cães de guarda)
e todo o pessoal da senzala
mas esse pessoal nunca é importante.

Figurino dos homens:

aquilo que chamam de esporte-chique
deve ser coisa de jogador de futebol que ficou rico
o tipo de roupa que o Neymar usou quando foi depor
todo mundo igual, só variando a cor da camisa
Figurino das mulheres:
roupa brilhante e brega que não se usa em mais nenhuma ocasião
sapatos rasga-pele
em geral loiras, de cabelo liso

Havia uma negra,

mas ela estava muito embranquecida.

Eu não estava de figurino

estava vestido normal
camiseta verde
all star surrado
e uma calça discreta.
A festa já estava rolando
a mãe reclamando
a aniversariante segurando seu psicológico
os adolescentes tentando agir como adultos
a música:
in
su
por
ta
vel
men
te
alta
(e olha que eu já frequentei uns bate-cabeças
e sou adepto da boate viado com catuaba)
tocando americanices
e música de projeção da frustração.

Era impossível não ver o problema da divisão de classes

ele pairava sobre o ambiente como um fantasma
sugando tudo e a todos
quem via era oprimido
quem não via já estava abduzido
ou pelo menos havia esperança.

Não era possível suportar sóbrio.


Bebi cerveja

depois um vinho caro
depois mais cerveja
mais um pouco e eu tinha bebido o uísque

fiquei de canto

lubrificando a mente

um segurança me fitou


Circulei

bebi mais um pouco
assisti aos clipes que passavam no telão que
curiosamente 
era música da favela

começou a tocar música da favela

com clipes na favela
letras sobre a favela
e os caras cantando
os preto e os branco
era muito estranho.

Resolvi dar um descanso pra mente e entrei na 

"área reservada para pessoas autorizadas"
eu era uma pessoa autorizada
eu ia trabalhar na festa
ali era meu camarim
e eu já tinha entrado e saído de lá pelo menos umas cinco vezes.

Entrei

e antes mesmo que pudesse me abaixar até a minha mochila
pra pegar uma roupa de frio, uma vez que o ar condicionado estava assassino,
entraram
como cães de guarda
como quem da um pé na porta
dois seguranças
o que me fitou,
com seu radinho enfiado na orelha,
e um outro de rosto pontudo
negro
me olhou fixamente e perguntou com quem eu estava
- com o mestre de cerimônia.
- ah tá...
- to com cara de penetra? - disse eu colocando a blusa vermelha
era moletom, foda-se
- não...
tentou explicar que tinha lista e ele não tinha me visto entrar
foda-se
olhei com essa cara
foda-se
E me sentei no cubículo que me era permitido esperar.

Não sou negro

sou branco
mas 
por um minuto
me senti como os garotos e garotas negras
que são perseguidos em lojas e supermercados
realmente
dói
é revoltante
é bizarro
uma série de sensações
e isso porque meu figurino não estava adequado

e pra quem não tem a pele adequada...?





segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

momentos

doeu
não vou mentir
doeu
não deu pra ser outro
pra se enquadrar
não deu pra não estar
ali
imperfeito
tentando segurar o escudo
mas abrindo mão da espada
os pés e os olhos fincados na terra

no pico da lua cheia eu,
como não poderia ser diferente,
transbordei

descarreguei as pústulas
liquefazendo de pus e saindo pelos poros

E você,
olhos brilhantes
aparência plutoniana
lindo como sempre
menos saudável do que eu gostaria
mas o eu, ali, já não tinha sentido
aqui, contudo, era o mais importante

Hoje sofri
apertei meu coração até sorver a última gota de você

mas ainda escorre


E a vida é assim
a gente vai avançando nos descompassos
desacertos
desalinhos
desencantos
dançando no verbo
versando no dorso
engarrafando a lágrima
pra poder jogar no mar
e ver se alguém pega e a transforma em riso

alguém dentro
alguém fora...

sábado, 20 de fevereiro de 2016

realidade submersa

Taí, ó
o céu em gozo
chovendo êxtase
chegou no pico do calor
do amor
e gozou
aguou as plantas
e as pedras
e apagou oceano adentro
todo fogo
sol e lua submersos
corredeira-rio
fez da cidade a mata escura
e do céu o fundo do mar em delírio,
escoando o que passou
o dia todo acorrentado.
Fertiliza pra dentro
germina profundo
goteja furando o teto
por entre as fendas
as paredes
e pinga até onde não deve,
sendo o que é,
água nos olhos e no peito
a profunda rachadura que veio pra fazer
e pinga até onde não quero
fazendo o que deve
sem dar satisfação
agindo na não ação
aí, ó,
fazendo da vida uma miração.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Marte/ Netuno

Das florestas flutuantes
do mar do inconsciente
floresce
no lodo pantanoso onde brilha a
lua branca e luminosa no
céu azul
vem
a poderosa flor vermelha
emergindo do fundo
da escuridão
tétrica como a noite
com a força das trevas
desabrocha
amparada por ela mesma
na superfície se posta
e prova.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

sobre amores perigosos IV

CRESCER OU MORRER

...é planta que cai
morta
queima em árido território
intensifica sua existência
emana de si
até a última gota
e, por fim,
irrealizada
sem raízes
morre
seca
sem graça
no meio da rua
pobre
desesperada descansa
a lua é abandonada
trará novos ciclos
novas sementes
fará crescer ou morrer
o que precisa
crescer ou morrer
que a natureza não é besta
e há de prover.

sobre amores perigosos III

INFARTO

... é dor que sangra o coração
que fica numa menstruação 
sem fim
pulsando em vida
vertendo vida
vida que nasce em dores de parto
fragiliza o sistema
põe os pássaros aos ventos
dissipando
então o coração
e ele
dói
e ele
geme
incessantemente
geme 
até agora
de amor
rasga 
o peito
e é como uma criatura  dolorosa que 
nasce
e bate suas orelhas-asas
clama
com a casa ensaturnada só tem uma fonte de alimento
ela mesma
e a dor que a originou
destinada a ser como as batatas-doces
que florescem por si
no peito
floresce
no peito que é a sua terra
desvirgina-se 
e brota
resistindo primorosa
e aguardado
aguardado como há muito abortado
não é amor
já é quase infarto...

sobre amores perigosos II

DE CORAÇÃO/ É QUE TE PEDI

já tem um tempo que você anda
desbloqueando meus sorrisos
o rosto inteiro
e é que quando me pouso em ti
sinto uma brisa 
fresca no peito 
desce abrindo 
caminhos
desce abrindo 
canais
permite respirar
dilata os poros
a mente
modifica os padrões
pelo ar pelo amor
abrindo o que há anos estava trancado
É que você tem a chave, baby
e foi eu que te dei
e tudo o mais que puder
te oferecerei
pois eu te pedi ao universo
e ele
mais que generoso
te trouxe
Te adoro
e agradeço…